Depois de quase 30 anos (27 para ser exato), um jogo é modificado para que funcione como deveria funcionar na data em que foi lançado. Street Fighter 2 Remastered é um hack para o jogo do Megadrive / Genesis, que foi lançado em 28 de setembro de 1993, no Japão, em 27 de setembro nos EUA e 29 de outubro na Europa.
O cartucho em versão americana |
Porém, mesmo quando foi lançado, houve críticas ao produto final, que foi feito pela própria Capcom, in house.
Mas, o produto que chegou às lojas, em 93, não foi o primeiro produto da Capcom sobre Street Fighter para o Megadrive. Na verdade, foi o segundo, e, mesmo assim, sua produção foi bastante tumultuada.
Agora, vamos dar um passeio, no túnel do tempo, de volta aos anos 90, para entender por quê o cartucho para Megadrive saiu uma versão inferior.
Os Anos 90 foram testemunha de uma guerra sem precedentes
Sim, foram os anos da famosa console wars, a guerra dos videogames, onde empresas como Sega e Nintendo se digladiavam por fatias de mercado.
E cada pequena vitória significava muito, pois o mercado de videogames, nos anos 90 já tinha ultrapassado o mercado de entretenimento tradicional, como o cinema e a música.
Naquela época, a Nintendo reinou suprema, no mercado de 8 bits, tanto no Japão como nos EUA, o quê forçou a Sega a dar o próximo passo na evolução dos videogames: lançar uma máquina de 16 bits, a qual seria melhor para portar seus sucessos de arcade (fliperama), e, daria uma vantagem tecnológica competitiva em relação à rival Nintendo.
Porém, a Nintendo não dormia no ponto, e, era famosa por forçar contratos draconianos em suas empresas licenciadas parceiras. Visando jogar areia nas rivais, a Nintendo assinou um contrato de exclusividade com a Capcom, é, a Capcom de Street Fighter II. Com este contrato, a Capcom não poderia portar nenhum de seus jogos originais para qualquer outro console de outros fabricantes.
Mas, poderia licenciá-los para outras empresas, e, fez isso, com a própria Sega, que comprou os direitos de Strider e Ghouls’n’ Ghosts e criou versões para o Megadrive. As versões foram ótimas, e, não comprometeram a relação da Capcom com a Nintendo. Mas, tudo isso mudaria em 1992, com Street Fighter II.
Em 1991, Street Fighter II ressuscitou os fliperamas
Street Fighter II foi responsável por revitalizar a indústria de videogames de arcade no início de 1990, a um nível de popularidade não visto desde os dias de Pac-Man no início de 1980. Sim, os fliperamas estavam estagnados e tinham perdido o interesse do público. Porém SF 2 reacendeu a paixão nos fliperamas: vendeu mais de 60 mil máquinas de arcade, cada uma custando em torno de US$ 1.300,00. Contando todo o tempo decorrido, estima-se que o jogo tenha rendido mais de 1 bilhão e 300 mil dólares, só em máquinas arcade, do SF2. E, claro, a Capcom lucraria muito mais, com o upgrade, Street Fighter II: Champion Edition, que venderia mais de 140 mil máquinas.
Street Fighter 2 fez o SNES o sucesso que ele foi |
E, o todo o sucesso de SF2 coincidiu com o lançamento do Super Nintendo. Como a Nintendo tinha um contrato de exclusividade com a Capcom, o timing foi perfeito para o recém-lançado console da big N: A versão SNES do Street Fighter II original foi o software de jogo individual mais vendido da empresa, com mais de 6,3 milhões de unidades vendidas, e continua sendo seu software de jogo mais vendido em uma única plataforma até os dias atuais. O SNES foi lançado nos EUA em agosto de 1991, e, SF2 foi lançado para a plataforma em julho de 92, o que impulsionou as vendas do console e ajudou-o a cimentar uma posição de destaque na guerra dos consoles, apesar do Megadrive já estar há dois no mercado, com uma biblioteca considerável.
Bem-vindo ao próximo nível
Com a renascença dos arcades e o impulso que SF2 deu ao SNES, o mercado de games de luta 1 on 1 estava fervendo. Tanto que muitos jogos surgiram por causa de SF2, o mais óbvio foi Mortal Kombat, seguido por muitos outros, como Killer Instinct, Art of Fighting, World Heroes e etc…
O Lema da Sega em 93 |
Mas, com a acirrada batalha dos consoles, as antigas regras da Nintendo, do tempo do NES 8 bits, não estavam mais valendo.
A Nintendo tinha regras estritas com suas licenciadas: cada desenvolvedor terceirizado só podia lançar até cinco jogos por ano (mas alguns terceiros contornaram isso usando nomes diferentes, como a marca “Ultra Games” da Konami), esses jogos não poderiam ser lançados em outro console dentro de dois anos, e a Nintendo era a fabricante e fornecedora exclusiva dos cartuchos NES.
Em 1991, a Acclaim começou a lançar jogos para ambas as plataformas, com a maioria dos outros licenciados da Nintendo seguindo o exemplo ao longo dos anos seguintes.
A Capcom relutou muito sobre isso, mas, licenciou alguns jogos para a Sega (como mencionado acima).
A Sega, de olho numa fatia desse mercado, começou a negociar agressivamente com a Capcom, para ter um Street Fighter II para sua plataforma. As negociações com a Sega em relação a trazer Street Fighter II para o Sega Mega Drive começaram por volta do Summer Consumer Electronic Show de 1992. A Capcom do Japão era compreensivelmente contra a ideia de ir contra seu relacionamento com a Nintendo e estava relutante em trabalhar com a Sega por causa disso.
Sega Faz o Que a Nintendo não
No entanto, um acordo foi fechado e a Sega ia receber seu Street Fighter II. Não apenas a Sega receberia Street Fighter II, a Capcom agora se tornaria uma das licenciadas terceirizadas oficiais da Sega. Para adoçar o negócio, a Capcom ofereceu portar a então recém-lançada Champion Edition, que era uma versão reequilibrada de Street Fighter II que permitia que você jogasse como os quatro personagens “chefes” que não tinham sido lançados em nenhum console antes e eram uma melhoria significativa em relação ao port da Nintendo.
A Capcom encontrou uma forma de contornar o acordo com a Nintendo: Ela portaria uma versão diferente do jogo que fez para a Nintendo.
O Primeiro protótipo de SF2 para Megadrive |
Como a Capcom não estava preparada para lidar com o desenvolvimento do Mega Drive, eles decidiram terceirizar esse port para uma empresa de software de terceiros desconhecida sob a supervisão da Capcom.
O desenvolvimento do port do jogo começou logo após o acordo ser fechado em 1992. Tanto a Capcom quanto a Sega eram muito sigilosas sobre a produção do port, bem como sobre o próprio negócio. Dados os rumores citados diretamente pela Sega na época, o jogo foi realmente desenvolvido, concluído e testado antes da temporada de férias daquele ano. Também houve rumores de que a Sega estava intencionalmente alimentando rumores sobre a possibilidade do jogo aparecer em um console da Sega em um esforço para desacelerar as vendas do console da Nintendo e sustentar as suas próprias.
No outono daquele ano, rumores começaram a se espalhar sobre a oferta da Sega de Street Fighter II, apesar de nunca ter sido anunciado formalmente pela própria empresa. Muitas revistas estavam entusiasmadas com o port, já que o hardware do Mega Drive poderia potencialmente facilitar os requisitos necessários para produzir um port muito preciso do jogo. Os ports de consoles domésticos geralmente tinham que lidar com as limitações e diferenças arquitetônicas do próprio hardware e isso geralmente produzia resultados muito diferentes em comparação com os originais. O sonho de muitos jogadores naquela época era ter versões “perfeitas de arcade” de jogos de fliperama de alta qualidade e alto orçamento produzidos em hardware muito mais caro. Com o Zilog Z80 como processador secundário para som e o CPU Motorola 68000 imensamente superior (que coincidentemente eram os mesmos processadores usados na placa de arcade CP-1 System original) dentro do Sega Mega Drive, havia muita expectativa com esse port.
O Barato(será que foi ?) sai caro
A primeira menção de uma potencial port de Street Fighter II para o Mega Drive que pudemos encontrar até agora é uma breve menção na edição de novembro de 1992 da Mean Machines Sega. A maioria desses primeiros rumores eram consistentes em detalhar três coisas específicas sobre este port: primeiro, todos os boatos afirmavam que o jogo seria baseado na Champion Edition. Dois, seria em um cartucho de 16 Mbit. E, finalmente, um controlador especial de seis botões e um controlador de arcade seriam produzidos especificamente por causa desse port.
Dos meses de dezembro de 1992 a abril de 1993, houve um festival de rumores circulando nas publicações da época.
Algumas pérolas da época dão conta que “ o jogo seria empacotado com o Mega CD para impulsionar as vendas, e seria uma edição completamente nova programada pela própria Capcom.”
Matéria da EGM de maio de 93, com ampla cobertura do evento de anúncio da parceria Sega / Capcom |
Com toda a pressão em torno desse port crescendo, em março de 1993 houve o anúncio oficial, das duas empresas:
Houve um evento público no Accord Sofitel hotel. No evento, Tom Kalinske da Sega of America e Joe Morici da Capcom USA anunciaram o status de licenciada terceirizada da Capcom. O port Street Fighter II: Champion Edition para o Mega Drive foi anunciado e um protótipo do controlador de jogo de seis botões foi mostrado no evento. A data de lançamento de junho de 1993 foi anunciada e um cartucho de 16 Mbit foi anunciado também. Na própria conferência, a Capcom trouxe alguns gabinetes de arcade Street Fighter II: Champion Edition e até mesmo alguns protótipos jogáveis do port de Mega Drive para as pessoas jogarem também.
Porém, nem tudo foram flores…
Quando cópias de avaliação foram enviadas, a imprensa relatou alguns problemas de qualidade de som para as amostras de voz. Mas, no geral, muitos jornalistas não japoneses admitiram que a Champion Edition era superior em comparação com a versão do SNES. Surpreendentemente, os jornalistas japoneses foram mais críticos, mas no final das contas ainda eram favoráveis ao novo port do Mega Drive (Dengeki Mega Drive na edição # 3 apontou as infames barras pretas, por exemplo). Apesar de tudo mencionado pela mídia até agora, parecia que as coisas estavam indo bem para a Sega!
Barras pretas, um quadro menor, e, o infame Branka do protótipo |
Só que não, pois a Capcom, como ótima negociante que sempre foi, depois de anunciar a parceria com a Sega, anunciou o cartucho de 20Mbit Street Fighter II: Turbo Hyper Fighting, previsto para lançamento em 11 de julho no Japão, apenas um mês após o lançamento de Champion Edition da Sega. A versão Turbo Hyper Fighting apresentava todas as mudanças feitas na Champion Edition, mas também incluía a velocidade de jogo mais rápida que se tornou popular com um hack bootleg não oficial / sem suporte, da versão de arcade "Rainbow Edition", criada por piratas de Taiwan.
Se quer algo bem-feito, faça você mesmo
Nesse quadro, de extrema ansiedade e expectativa, o protótipo chegou para Akira Nishitani, o supervisor de produção de Street Fighter. E, ele ficou horrorizado: “Lembro-me de quando a versão do Genesis apareceu pela primeira vez. Verifiquei a ROM e basicamente disse: Isso é terrível. Livre-se de tudo.”
Era um cartucho de 16Mbits, com faixas pretas e uma tela bem menor, para acomodar todos os personagens e cenários, e, mesmo assim, muita coisa foi cortada.
Até a arte e o preço do cartucho já tinham sido definidas, mas o jogo não existia mais. |
A Capcom ficou muito desapontada com a qualidade do port para Megadrive, feito pela terceirizada misteriosa. E, embora não esteja claro por que a Capcom decidiu descartar completamente quase todo o trabalho feito para a Champion Edition, considerando que supervisionou o port ao longo de todo o seu desenvolvimento, o port foi eliminado sem cerimônia, apenas cerca de um mês após o anúncio oficial da parceria com a Sega. E, o game fora oficialmente anunciado na CES de 1993, em junho, para um lançamento em setembro do mesmo ano. Ora, como o protótipo foi descartado, a Capcom teve 2 meses para criar uma versão nova, quase do zero, para o Mega drive.
O quê ajudou essa tarefa quase impossível, foi poder ter assets das versões do PC Engine e do SNES, que estavam sendo desenvolvidas na mesma época, sendo então adaptadas ao hardware do Mega drive.
Bem, a qualidade do protótipo não era consenso entre os executivos da Capcom na época, tanto que Joe Morici, executivo da Capcom USA, disse que o protótipo era bom o suficiente para ser lançado o quanto antes, mas, Akira Nishitani foi contra. E, ter que refazer, in-house, todo o cartucho, demorou tempo suficiente para que o lançamento de Street Fighter 2: Special Champion Edition coincidisse com seu maior rival: Mortal Kombat, que seria lançado na Mortal Monday, 13 de setembro de 1993. Mas, essa é outra história…
Street Fighter enfrentaria seu maior inimigo: Mortal Kombat |
A pressa é inimiga da perfeição
Com uma produção corrida, a versão de Street Fighter II: Special Champion Edition, para o Sega Megadrive / Genesis deixou a desejar em alguns aspectos.
As críticas se concentraram nos gráficos e no som. A paleta de cores limitada do Genesis faz com que muitos estágios pareçam desbotados ... os personagens são muito pequenos, os fundos são de qualidade muito baixa e quando comparados lado a lado com as versões SNES é fácil ver porque o SNES era considerado o sistema superior visualmente.
E, seu áudio foi muito criticado: A música é de qualidade muito granulada e as vozes são simplesmente horríveis. Eles soam roucas e ininteligíveis, e é aí que a versão de Gênesis realmente vacila.
Mesmo assim, o jogo vendeu muito bem, e, foi um port impressionante.
Mas, tanto os gráficos como as vozes, foram muito criticados. Agora, a pergunta que não quer calar: O Hardware do Megadrive era tão ruim assim ? Que uma versão melhor não poderia existir ? Ou, esse port foi vítima da correria e trapalhadas da Capcom ? Bem, essa resposta levaria 27 anos para ser respondida.
27 Anos depois…
Em 17 de julho de 2020, o rom hacker brasileiro Rafael Pyron lançou, em https://www.romhacking.net/hacks/5273/ um patch para o jogo original, aquele lançado em setembro de 93, que conserta todas as coisas que a Capcom deixou meia boca para o Sega Megadrive nesse port:
O jogo de 93, remasterizado |
“Tudo relacionado à arte e apresentação foi refeito”, afirma Pyron. “Todos os recursos foram usados de forma inteligente para extrair o potencial do console. Também não é uma port restrito ao trabalho original, Street Fighter 2 sempre foi atualizado nos arcades e nas ports. Portanto, parte do trabalho foi revisar o jogo com elementos modernos presentes na própria série SF para dar uma aparência atualizada ao jogo. ”
As mudanças incluem um novo design de HUD, bem como um novo texto. O mapa de seleção do jogador foi revisado, assim como os retratos dos personagens na tela de seleção do jogador. Os quadros de animação foram revisados e a arte foi atualizada para fazer uso de mais cores e detalhes. Até as sequências finais do jogo foram atualizadas para ficarem mais próximas das vistas no original do arcade. Pyron também não fez apenas alterações cosméticas; existem inúmeras correções de jogo que reequilibram a jogabilidade.
As mudanças da nova versão |
Como jogar Street Fighter 2: Remastered no PCLinuxOS ?
Chegamos ao ponto mais interessante do artigo: Como jogar o Street Fighter 2: Remastered no PCLinuxOS. É só seguir essa receita fácil, fácil.
- Você vai precisar de um dump da ROM Street Fighter 2: Special Champion edition. A versão deve ser: Street Fighter II' - Special Champion Edition (U) [f1], caso contrário, não vai funcionar.
- Você vai precisar de um IPS patcher. Eu empacotei 3 para o PCLinuxOS: Lazy_IPS, EWingIPSPatcher e Jips. Aconselho usar um dos dois primeiros, que são mais atualizados. Jips não funciona muito bem com patches atuais.
- Vá no link do patch: https://www.romhacking.net/hacks/5273/ e clique em Dowload
- Baixe o arquivo ZIP contendo o patch.
- Agora, detalhes muito importantes: A rom de Street Fighter 2: Special Champion edition deve estar com atributos de R/W, senão o patch não poderá ser aplicado. Então, acerte o atributo da ROM para Leitura e Escrita.
- Descompacte o arquivo ZIP, e, terá o arquivo IPS, do patch, que será aplicado na ROM
- Abra seu IPS patcher favorito (algum dos citados acima)
- Clique em escolher ROM, aponte para a pasta onde está a ROM do Street Fighter 2: Special Champion edition . Depois, clique em Escolher Patch IPS, aponte para onde foi descompactado o patch IPS e clique em aplicar.
- E pronto, o patch será aplicado e, a Rom resultante será Street Fighter 2 Remastered. Se você possuir um Everdrive, poderá passar a ROM atualizado para um cartão de memória e jogar em um Megadrive real. Ou poderá se divertir com os vários emuladores de Megadrive que estão nos repos do PCLinuxOS.
Aqui, um vídeo review do processo de aplicar o patch e um review do jogo atualizado:
Ok ?
Espero que apreciem, e, joguem bastante um jogo que, depois de 27 anos, ficou como deveria, se a Capcom não tivesse sido tão atrapalhada.
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