segunda-feira, 22 de abril de 2019

Desgooglando-se (Parte 1)


Quero começar este artigo com uma piada… É, é meio antiga, mas, mais atual do que nunca.

Google Pizza


 – Olá! Pizzaria do Gordon?
 – Não, senhor, é a pizzaria da Google.

 – Então é engano? Que pena.
 – Não senhor, a Google comprou a pizzaria.

 – Ok então, vou fazer o  meu pedido, pode ser ?
 – Quer o de sempre?

 – O  de sempre? Me conhece ?
 – De acordo com a nossa ficha de chamadas, nas últimas 12 vezes, você pediu  pizza de calabresa, muito queijo, massa grossa.

 – OK! É isso mesmo!
 – Posso sugerir-lhe desta vez ricota, rúcula com tomate seco..?

 – O quê? Odeio vegetais.
 – O seu colesterol não está bom, Senhor.

 – Como é que você sabe?
 – Cruzamos o número da sua linha fixa com o seu nome, através do Guia de assinantes.
Temos o resultado dos seus exames de sangue nos últimos 7 anos.

 – Está bem, mas não quero esta pizza! Já tomo medicamentos…
 – Desculpe, mas o senhor  não andou tomando o medicamento regularmente, a partir da nossa base de dados comercial, há 4 meses, só comprou uma caixa com 30 comprimidos de anti-colesterol na Drugsale Network.

 – Comprei mais de outra farmácia.
 – Não aparece no extrato do cartão de crédito.

 – Paguei em dinheiro.
 – Mas não sacou tanto dinheiro, de acordo com o extrato bancário.

 – Tenho outra fonte de dinheiro.
 – Isto não aparece na sua última declaração de renda, a menos que os tenha comprado de uma  fonte de renda não declarada.

 – MAS QUE RAIO?!?
 – Desculpe, senhor, usamos essa informação apenas com a intenção de ajudá-lo.

 – Chega! Estou farto de Google, Facebook, Twitter, WhatsApp. Vou para uma ilha sem internet, televisão por cabo, onde não tiver cobertura de celular e ninguém para me ver ou espiar.

 – Compreendo, Senhor, mas terá de renovar o seu passaporte primeiro, já que expirou há 5 semanas.

Assim, começamos essa série de artigos, que vão abordar como a Google nasceu, sua gênese oficial (e não oficial), suas ligações sombrias com as agências de inteligência americanas, como a Google rastreia você online,  e quais são as alternativas para os serviços que a empresa oferece.

É claro que não quero que pensem que há hipocrisia aqui, já que está sendo veiculado o artigo num site de propriedade da Google (Blogger). Também estou pensando em mudar meu blog para outra plataforma, então, não me acusem de hipócrita. Pensando bem, a Google era uma quando começou, mas, com o passar dos anos, ou se tornou outra coisa, ou suas verdadeiras intenções ficaram mais claras.


A gênese da Google

A Google nasceu quando dois estudantes de Ph. D da Universidade de Stanford, Larry Page e Sergei Brin, tiveram uma ideia para um motor de busca que rapidamente encontraria as informações mais pertinentes em um oceano de dados. Eles registraram o nome de domínio Google.com em 1997 e tornaram-na a empresa Google em 1998.
1997 foi um importante ponto de mudança para o motor de busca. Os criadores decidiram que poderia haver uma alteração no nome do motor de busca 'googol', que tem um significado matemático, bem como metafórico como o termo 'googol' indica uma grande quantidade de números sendo representados.
O domínio google.com foi registrado em 15 de setembro de 1997. Eles formalmente incorporaram sua empresa, Google, em 4 de setembro de 1998, na garagem de sua amiga Susan Wojcicki em Menlo Park, Califórnia. Wojcicki eventualmente se tornou uma executiva na Google e agora é o CEO no YouTube.

A garagem onde a Google nasceu 

O primeiro protótipo do Google foi o Backrub, que em 1996, era um motor de busca que funcionava em computadores da universidade Stanford e rapidamente suplantou seu servidor. Funcionou tempo suficiente, no entanto, para captar a atenção do co-fundador da Sun Micro Systems, Andy Bechtolsheim, e em 1998 ele investiu US$ 100.000 na ainda não formada empresa Google. Meses depois, a pequena startup que funcionava em uma garagem,  foi escolhida como o motor de busca top da revista PC Magazine de 1998. Apenas seis anos depois, em 2004, a venda da IPO da Google deu-lhe uma capitalização de mercado de mais de US $23 bilhões.

 Larry Page e Sergei Brin em 2003


O web crawler, BackRub, começou a explorar a  web em Março de 1996, com a página de Larry Page servindo como ponto inicial. Para converter os dados de backlinks que recolheu para uma determinada página web em uma medida de importância, Brin e Page desenvolveram o algoritmo PageRank. Ao analisar a saída do BackRub que, para um dado URL, consistia de uma lista de backlinks classificados por ordem de importância, o par percebeu que um mecanismo de busca baseado no PageRank produziria melhores resultados do que as técnicas existentes (motores de pesquisa existentes na época, essencialmente, classificavam os resultados de acordo com o número de vezes que o termo de pesquisa aparecia em uma página).

Convencido de que as páginas com mais links para eles a partir de outras páginas web altamente relevantes devem ser as páginas mais relevantes associadas com a pesquisa, Page e Brin testaram sua tese como parte de seus estudos, e lançaram as bases para o seu motor de busca. A primeira versão do Google foi lançada em agosto de 1996 no site de Stanford. Usou quase metade da largura de banda da rede de Stanford.
Nas palavras de seu fundador,  Larry Page:
“Algumas estatísticas aproximadas (de 29 de agosto de 1996)

Urls  HTML indexáveis totais: 75,2306 milhões

Conteúdo Total transferido: 207.022 gigabytes

BackRub é escrito em Java e Python e funciona em vários Sun Ultras e Intel Pentium executando Linux. O banco de dados primário é mantido em um Sun Ultra II com 28GB de disco. Scott Hassan e Alan Steremberg forneceram uma grande ajuda, numa implementação muito talentosa. Sergey Brin também esteve muito envolvido e merece muitos agradecimentos.”

IBM, Intel e Sun foram os patrocinadores de hardware para Sergey Brin e Larry Page. Além disso, eles  usaram GNU, Linux e Python como o software de fundação para o Google.


Este é o servidor usando apenas 300 MHz Dual Pentium II, 512MB de RAM e 9GB de disco rígido.

Em Março de 1999, a empresa mudou-se para escritórios na 165 University Avenue, em Palo Alto, lar de várias outras notáveis startups de tecnologia do Vale do Silício. Depois de ter crescido rapidamente dois outros locais, a empresa alugou um complexo de edifícios em Mountain View, no 1600 Amphitheatre Parkway, da Silicon Graphics (SGI), em 2003. A empresa tem permanecido neste local desde então, e o complexo tornou-se conhecido desde então como o Googleplex (um jogo na palavra googolplex, um número que é igual a 1 seguido de um googol de zeros). Em 2006, o Google comprou a propriedade da SGI por US $ 319 milhões.

No final de 1998, o Google tinha um índice de cerca de 60 milhões de páginas. a página inicial da Google ainda estava marcada como “BETA”, mas um artigo em Salon.com já afirmava que os resultados de pesquisa do Google eram melhores do que os de concorrentes como o Hotbot ou Excite.com, e elogiou-o por ser mais tecnologicamente inovador do que os sites de portal sobrecarregados (como o Yahoo!, Excite.com, Lycos, Netcenter da Netscape, AOL.com, Go.com e MSN.com) que naquela época, durante a crescente bolha da internet, eram vistos como “o futuro da Web”, especialmente pelos investidores do mercado de ações.

A home page da Google, em 1998


No início de 1999, Brin e Page decidiram que queriam vender a Google para a Excite. Eles ofereceram ao  CEO do Excite,  George Bell, vendê-la (a Google)  por US$1 milhão. Ele rejeitou a oferta. Vinod Khosla, um dos grandes investidores de capital de risco, fez com que a dupla baixasse para 750 mil dólares, mas Bell ainda assim rejeitou.
Em 2002, o Google começou a ajudar ainda mais as empresas com o seu Google Search Appliance e adicionou o preço por clique ao seu Adwords.

Em 2003, o Google adquiriu o Pyra Labs e anunciou o Google AdSense. A AdSense permite que as empresas se conectem com vastas redes de anunciantes. O Google também lançou o Google Grants, uma edição sem fins lucrativos do AdWords.
Em 2004, no 1º de Abril, o Gmail foi lançado, primeiro um serviço apenas por convite, agora tem mais de 425 milhões de usuários. Google também adquiriu Picasa. Além disso, o Google listou - se no mercado de ações, oferecendo ao público 19.605.052 ações de classe A a US$85 cada. Em dezembro a Google estabeleceu Google.org, que foi dedicada à ideia de que a tecnologia pode mudar o mundo.



Edifício da Googleplex, sede atual da Google

Assim, foram os primeiros anos da Google. E, esta foi a estória oficial, aquela que todos sabemos, aquela que está nos livros e revistas.
Mas… Não foi toda a história.

A história da Google, por detrás da história da Google…

Em meados da década de 1990, a comunidade de inteligência na América começou a perceber que eles tinham uma oportunidade. A comunidade da supercomputação estava apenas começando a migrar de ambientes universitários para o setor privado, liderado por investimentos de um lugar que viria a ser conhecido como Vale do Silício.

A coleta de informações pode ter sido o seu negócio, mas a Agência Central de inteligência (CIA) e a agência de Segurança Nacional (NSA) tinham vindo a perceber que o seu futuro seria provavelmente moldado fora do governo. Foi numa época em que os orçamentos militares e de inteligência da administração Clinton estavam em perigo, e o setor privado tinha vastos recursos à sua disposição. Se a comunidade de inteligência quisesse realizar vigilância em massa para fins de segurança nacional, exigiria cooperação entre o governo e as empresas emergentes de supercomputação.

Em 1999, a CIA criou a sua própria empresa de investimento em capital de risco, In-Q-Tel, para financiar startups promissoras que poderiam criar tecnologias úteis para as agências de inteligência.


Logo da In-Q-Tel

E, aqui começa a história obscura da Google. Em 1994, como vimos acima, dois jovens doutorandos da Universidade de Stanford, Sergey Brin e Larry Page, fizeram sua descoberta no primeiro aplicativo automatizado de rastreamento web e ranking de páginas. Brin e Page realizaram seu trabalho com financiamento da Iniciativa Biblioteca Digital (Digital Library Initiative), um programa multi-agência da National Science Foundation (NSF), NASA e DARPA. Ou seja, na fase de pesquisa, do que iria se tornar o mecanismo de buscas Google, já havia financiamento de agências de inteligência Americanas.

In-Q-Tel, a CIA jogando na iniciativa privada

Fundada em 1999 como uma forma de os EUA  acompanhar a rápida inovação em Ciência e tecnologia, In-Q-Tel tem sido um apoiador inicial de start-ups mais tarde adquiridas pela Google (GOOG), Oracle (ORCL), IBM (IBM) e Lockheed Martin (LMT).

Enquanto IQT originalmente servia em grande parte as necessidades da CIA, hoje a empresa oferece suporte a muitas das 17 agências dentro da comunidade de inteligência dos EUA, incluindo a National Geospatial-Intelligence Agency (NGA), a Agência de Inteligência de Defesa (DIA) e o Departamento de Segurança Interna de Ciência e Tecnologia.

E, a empresa age de forma semitransparente: A In-Q-Tel emite um comunicado de imprensa sempre que patrocina uma nova empresa, mas não divulga nem o montante do investimento nem o produto em que se concentra. Acredita-se que a relação pode levar ao desenvolvimento de produtos fora do mercado especificamente adaptados para a CIA. Um porta-voz de uma empresa financiada pelo In-Q-Tel disse à Forbes que o seu investimento se concentrava num projeto específico com um prazo de um ano, recusando-se a fornecer mais pormenores.

Muitas empresas listadas na página do site de investimento da In-Q-Tel são secretas. De Acordo com o Washington Post, "praticamente qualquer empresário americano, inventor ou cientista de pesquisa trabalhando em formas de analisar dados, provavelmente, recebeu um telefonema da In-Q-Tel, ou, pelo menos, foi pesquisado por sua equipe de observadores de tecnologia.
Aqui segue uma lista de empresas e projetos mantidos pela  In-Q-Tel(ao menos, aqueles visíveis ao público): https://en.wikipedia.org/wiki/In-Q-Tel#Investments

E qual a influência da  In-Q-Tel sobre a Google e seus produtos? Em 2004, a Google adquiriu a Keyhole Inc., a empresa que desenvolveu a tecnologia por trás do Google Earth, e, esta startup foi financiada pela In-Q-Tel.

A mesma tecnologia de base do Google Earth é atualmente empregada pelos sistemas militares e de inteligência dos EUA em sua busca, em suas próprias palavras, por “domínio de amplo espectro” do planeta.

Além disso, a ligação do Google com a CIA e a sua empresa de capital de risco estende-se à partilha de, pelo menos, um membro-chave do pessoal. Em 2004, o diretor de avaliação tecnológica do In-Q-Tel, Rob Painter, mudou-se de seu antigo trabalho diretamente ao serviço da CIA para se tornar “Gerente Federal Sênior” na Google.

Como disse Robert Steele, um ex-oficial da CIA: a Google está “na cama” com a CIA.

Mas, fica pior…

Dado a suposta  preocupação da Google  com os “direitos humanos” e com a privacidade do usuário, vale a pena notar que a revista Wired relatou há algum tempo que os amigos da Google na In-Q-Tel,  investiram na Visible Technologies, uma empresa de software especializada em monitoramento de mídias sociais.

A Visible Technologies pode examinar automaticamente mais de um milhão de discussões e postagens em blogs, fóruns online, Flickr, YouTube, Twitter, Amazon, e assim por diante todos os dias.
A tecnologia também “pontua” cada item on-line, atribuindo-lhe um estado positivo, negativo ou misto ou neutro, com base em parâmetros e termos definidos pelos operadores de tecnologia. A informação, assim resumida, pode então ser mais eficazmente digitalizada e lida por operadores humanos.
Há ainda o projeto Prism, onde a NSA coleta comunicações feitas pela internet, de diversas companhias de internet americanas, e, as quais foram expostas por Edward Snowden em 2013.

Assim, terminamos a primeira parte desta série de artigos, abordando as origens da Google e seus parceiros, tanto os visíveis, quanto os ocultos.

Continuem conosco, no próximo mês vamos abordar como a Google captura seus dados, monitora sua presença na internet e o que fazer para mitigar essa intromissão.