sábado, 23 de março de 2019

Stadia: O Bom, o Ruim e o Feio…

A Google pegou todo mundo de surpresa quando anunciou sua plataforma de videogames Stadia.
Anteriormente, a pesquisa da Google com videogames era conhecida como projeto Stream ou Yeti.
Mas, apesar da surpresa que foi o anúncio, os jogos via streaming, já existem há algum tempo. É claro que agora, eles estão mais em voga do que nunca.

Mas, antes de discorrer sobre o Stadia, vamos ver a história do chamado Cloud Gaming

 

Cloud Gaming, uma história de 19 anos…

Em 2000, a G-cluster demonstrou a tecnologia de jogos em nuvem na E3. A oferta original era o serviço de jogos em nuvem via Wi-Fi para dispositivos portáteis. A desenvolvedora de jogos de vídeo Crytek começou a pesquisar sobre um sistema de jogos em nuvem em 2005 para o jogo Crysis, mas interrompeu o desenvolvimento em 2007 para esperar até que os provedores de infra-estrutura e de cabo estivessem preparados para a tarefa.
OnLive lançado oficialmente em março de 2010, e seu serviço de jogo começou em junho com a venda de seu microconsole OnLive.  Em 2 de abril de 2015, foi anunciado que a Sony Computer Entertainment havia adquirido as patentes da OnLive, e a OnLive fechou suas portas.
Em novembro de 2010, a SFR lançou um serviço comercial de cloud computing na IPTV na França, com tecnologia G-cluster.  E no ano seguinte, a Orange France revelou seu serviço de jogos em IPTV baseado na tecnologia G-cluster.

O GeForce NOW é um serviço de streaming de jogos baseado em nuvem oferecido pela NVIDIA que foi lançado em 1º de outubro de 2015.

O Nvidia GRID é uma criação recente da Nvidia, voltada especificamente para os jogos na nuvem. O Nvidia GRID inclui processamento gráfico e codificação de vídeo em um único dispositivo que é capaz de diminuir a entrada para exibir a latência do streaming de videogames baseado em nuvem.  Isso é importante devido ao impacto que a latência terá entre o que o usuário faz e quando a ação é exibida na tela.

O Blade SAS Group lançou o Shadow, seu principal serviço de jogos em nuvem na França em novembro de 2011.  Em outubro de 2018, Shadow anunciou que estava vivo em 19 estados na costa leste e oeste dos EUA, com planos adicionais de expansão em todo o país.

A LOUDPLAY anunciou a expansão de seu serviço de jogos na nuvem para a Ucrânia, Bielorrússia e alguns outros locais da Europa Oriental em 18 de maio de 2018.  Em 21 de novembro de 2018, a LOUDPLAY em parceria com a Rostelecom e a Huawei demonstrou a primeira vitrine de jogos 5G na Europa (em Innopolis).

A Electronic Arts adquiriu a startup de jogos em nuvem Gamefly em 22 de maio de 2018. Alguns meses depois, em 29 de outubro de 2018, a Electronic Arts anunciou o projetos Atlas de jogos em nuvem.

O Google revelou o Project Stream em 1º de outubro de 2018. O projeto foi formalmente anunciado na Game Developers Conference em 19 de março de 2019 como Stadia.

A Microsoft apresentou o projeto xCloud em 8 de outubro de 2018.

E, o cloud gaming e streaming, também vem para preencher a lacuna tecnológica: A tecnologia anda mais rápido do que qualquer um pode acompanhar, e, com o aumento do preço de placas de vídeo (graças a mineração de cripto moedas), computadores melhores e placas mais potentes são bens que ficaram mais longe no horizonte de muitos aficionados por games.

Então, já faz 19 anos que se busca uma solução para jogos em nuvem. E agora, finalmente temos uma solução, em que uma empresa como a Google vai colocar toda a sua força de infraestrutura para que seja um sucesso.

 

Stadia: O Bom!

Imagine poder jogar jogos recentes, os chamados AAA, em qualquer aparelho que rode o Google Chrome ?
Você não precisa ter o sistema operacional Windows (o qual é o preferido para o lançamento de jogos assim), não precisa ter uma máquina superpotente, já que o jogo será transmitido em imagens para o dispositivo remoto, o qual estará em sua casa, e, poderá jogar em rede com seus amigos de forma transparente, já que o jogo rodará numa render farm da Google em algum datacenter ao redor do mundo.
Porém, a coisa vai além: Fazer vídeos de gameplays é algo bastante comum e faz bastante sucesso no You Tube. Com o Stadia, você poderá fazer gameplays ao vivo, on the fly, no momento em que estiver jogando, e fazer a transmissão sem nenhum recurso adicional, seja algum software, como o OBS ou placas de captura: Seu jogo, em tempo real, será transmitido pelo You Tube.
E mais, enquanto você estiver jogando, sendo o jogo multiplayer, você poderá convidar seus amigos a se juntarem ao seu jogo, bastando enviar um link para o jogo.

 

Como Funcionará ?

Qualquer aparelho com um sistema operacional que possa executar o You Tube poderá ser uma estação de jogos do Stadia. E, a Google promete que qualquer joystick USB-HID poderá ser usado. Mas, por uma questão de diminuir a latência, a Google recomenda que seja usado seu joystick proprietário, com conexão Wi-Fi, direto aos datacenters da Google, para melhorar a experiência do jogador.


O Joystick do Google Stadia

A vantagem do joystick Stadia é que o serviço poderá ser acessado pelo Chromecast e jogado em uma TV de tela grande, sem nenhuma conexão do joystick com o Chromecast. O Joystick estará conectado, via Wi-Fi ao datacenter da Google executando o jogo. O Joystick terá funções de chat e outras, interativas, acessíveis por botões adicionais no controle.
Outra funcionalidade de ter um joystick ligado diretamente ao jogo, é que será possível saltar de qualquer tela para outra tela e prosseguir jogando, de forma transparente e imediata (segundo Phil Harrison, chefe do projeto na Google).


               Segundo a Google, qualquer aparelho que rodar o You Tube poderá ser um receptor do Stadia

O Anúncio oficial

O Project Stream foi o primeiro sinal anunciado pela Google de interesse em produtos de videogame. Já havia rumores de que a Google trabalhava em um serviço chamado Project Yeti desde pelo menos 2016.
A Google também contratou o executivo da indústria de jogos Phil Harrison e foi vista recrutando desenvolvedores durante eventos do setor em 2018. O principal diferencial do Project Stream em relação aos serviços anteriores, como OnLive, GeForce Now e PlayStation Now, é sua capacidade de ser executado em qualquer navegador Chrome de desktop, em vez de plataformas de jogos específicas. O serviço usa hardware gráfico AMD Radeon.

Google anunciou o serviço em outubro de 2018 e logo depois, abriu convites para beta testers com acesso a Assassin's Creed Odyssey. Os jogadores podiam solicitar acesso e aqueles que atingiam um mínimo de velocidade de Internet podiam executar o jogo em seus navegadores Chrome.  Aqueles que participaram receberam uma cópia gratuita do jogo quando o período de testes acabou.
Os jogos disponíveis no anúncio do serviço foram  Assassin's Creed Odyssey e Doom Eternal.


                                      Stand do Google Stadia na Game Developers Conference


Stadia foi formalmente anunciado durante o discurso de abertura da Google na Conferência de Desenvolvedores de Jogos de 2019, em março de 2019.  Para apoiar a Stadia, a Google também anunciou a formação da Stadia Games and Entertainment, seu estúdio de criação para jogos originais, com Jade Raymond como líder. Além de desenvolver seus próprios jogos, a Stadia Games and Entertainment ajudará a apoiar a transição de títulos de terceiros para o serviço Stadia.
Harrison afirmou que “Somos baseados em Linux, usamos a API de gráficos Vulkan, o desenvolvedor desenvolve em nossa instância de nuvem, então os kits de desenvolvimento agora estão na nuvem. Na nossa nuvem, no datacenter privado do desenvolvedor ou em seu desktop”, afirmando a facilidade e disponibilidade do sistema para o desenvolvedor.
Uma coisa boa que poderá surgir daí, será o aprimoramento dos drivers Radeon no Linux, que, nunca foram tão bons quanto os da Nvidia.


O Não tão bom

Até agora, não há definição da Google sobre como o serviço funcionará. E, principalmente, como será a cobrança pelos serviços. Será cobrado por jogo, como a Steam ? Ou será cobrado como a Netflix ? Um aluguel mensal e a possibilidade do assinante jogar todo o catálogo do serviço ?
Outras coisas a considerar é que, no evento de anúncio do serviço, todos as telas rodando Assassin's Creed Odyssey estavam numa ambiente controlado, quase sem lag e nem latência. Como vai funcionar na vida real ? Com problemas reais de lag e latência ? E, será dependente de fibra ótica ?
É claro que  Phil Harrison garante que a Google está em posição de oferecer o serviço por ter uma grande infraestrutura de data centers ao redor do mundo.
Mesmo assim, houve momentos, na demonstração, onde a qualidade do vídeo foi reduzida, para manter-se a taxa de quadros, e, os famosos artefatos apareceram nas telas.
Mas, há outras questões pendentes, como e o data cap dos planos de internet ? Sim, dependendo do pacote de dados que for assinado com o provedor de internet, seu limite de dados no pacote será gasto rapidamente com este serviço (fora Netflix, You Tube, Hulu e outros). E então, a Google vai subsidiar os planos ?

O Ruim

O anúncio não poderia ter chegado em pior hora: A indústria de games passa por uma crise bem feia (não se compara com 1983), com muitas demissões e fechamento de postos de trabalho.
No final de fevereiro deste ano a loja digital GOG demitiu discretamente o que diz ser uma dúzia de funcionários. A GOG, que é de propriedade da editora The Witcher 3, CD Projekt, não disse por que as demissões aconteceram, mas um funcionário demitido disse ao site Kotaku que a loja estava com problemas financeiros.
No mesmo mês de fevereiro, a  Activision Blizzard demitiu 8% de sua força de trabalho, ou, 800 pessoas. No anúncio de resultados, o CEO da Activision Blizzard, Bobby Kotick, disse aos investidores que a empresa “mais uma vez alcançou resultados recordes em 2018”, mas que a empresa estaria se consolidando e reestruturando por causa das expectativas frustradas em 2018. Estaria cortando principalmente departamentos de desenvolvimento não relacionados a jogos e reforçando sua equipe de desenvolvimento para franquias como Call of Duty e Diablo.
A ArenaNet, o estúdio por trás dos populares jogos on-line Guild Wars e Guild Wars 2, também informou  aos seus funcionários que está planejando grandes demissões, de acordo com uma pessoa que está lá.

Então, no meio de uma crise com grandes empresas de entretenimento digital, o aparecimento de uma nova plataforma de vídeo games pode ser mais prejudicial do que benéfico, afinal com a utilização maciça de datacenters, muitas etapas do jogo eletrônico serão queimadas. Pensando em termos de fábricas de chips e placas eletrônicas, muitas se tornarão supérfluas.
Quanto a Google, quanto mais vertical, melhor, visto que a empresa não vai usar recursos de terceiros, mas, somente usar de seus próprios recursos.

Mas, por quê a indústria de videogames está em crise ?

Bem, pode-se especular sobre o que acontece com a indústria de games hoje em dia.
Com o passar dos anos, os jogos se tornaram maiores do que os filmes de Hollywood.
Sim, longe vão-se os tempos em que programadores solitários criavam jogos de videogames e estes eram um sucesso. River Raid e Carol Shaw ficaram no distante ano de 1982.


                 River Raid foi um sucesso da Activision no Atari, criado por uma única programadora, Carol Shaw

Com a evolução, tanto de software quanto de hardware, os jogos passaram a requerer uma produção com orçamentos maiores que a maioria dos filmes de Hollywood. Artistas de motion capture, atores para voice acting, roteiristas, diretores, pessoal de maquiagem, efeitos visuais, edição de som, em suma, equipes com mais de 20 pessoas para super produções que deixam muitos filmes indie com inveja. Uncharted 4 custou em torno de 50 milhões de dólares, fora os gastos com publicidade, para uma equipe de 150 profissionais.
Ora, a indústria de games está se espelhando nas produtoras cinematográficas e apostando em franquias: Os jogos podem ser caros para produzir, então, por quê arriscar ? Se há uma franquia, que o público reconhece e tem fãs fiéis, a cada ano se produz mais do mesmo e todos ficam satisfeitos: os fãs com os jogos e as produtoras com o retorno de seu investimento com lucros.

Seria ótimo, se não fosse o cansaço das franquias...

Sim, hoje em dia, este problema não afeta somente filmes. Como jogos estão indo na direção das franquias, a franchise fatigue é uma realidade. Hoje dia se veem 4, 5, 6 títulos sobre os mesmos personagens e estórias, a tal ponto que os fãs começam a perder o interesse. Alien Covenant foi um ótimo exemplo disso, um exemplar de franquia que os fãs deixaram de se importar com.
Quanto a games, Assassin’s Creed já está em sua 12ª versão, o referido  Assassin's Creed Odyssey e a pergunta que fica é: Existe tanta estória a ser contada assim ?
Jogos em franquias já sofreram com o cansaço: Need For Speed e Tony Hawk’s pro Skater são dois bons exemplos, de jogos que foram explorados à exaustão, e tanto, que hoje foram esquecidos.

O Feio

Bem, o que vou escrever aqui é especulação, mas, da observação de acontecimentos prévios, poderá acontecer.
Ora, a televisão como mídia de massa não mais se sustenta, e, as pessoas estão buscando experiências que sejam mais próximas delas: You Tube, Vimeo, e tantos outros serviços de vídeos pessoais, onde pessoas criam conteúdo para pessoas. Eu mesmo acompanho o jornalista Glen Grenwald, do site Intercept, e, penso que ele tem mais credibilidade do que muitos âncoras da TV tradicional.
Com o advento destes canais de comunicação, e, principalmente a medição das respostas das pessoas que os procuram, é possível perfilar os usuários, e, saber de suas preferências, seus gostos, quem são seus parceiros de jogo, com quem se relacionam e etc…
E, todos perfilados.
Com todas essas informações em mãos, o que poderia acontecer ? Quais manipulações poderiam ser feitas ? O affair Cambridge Analytica / Facebook está aí para nos mostrar até onde pode ir a manipulação das pessoas com base em seus dados pessoais. Conhecimento é poder, e, conhecer demais sobre uma população inteira significa poder manipular toda essa população.
O mote da Google, que era “Não seja mau”, já foi esquecido, e saiu de seu código de conduta, quando a empresa sofreu uma reestruturação em 2015. Agora, só nos resta esperar quando e como a Google será má (se bem que suas colaborações com o governo Chinês e do Paquistão mostram que ela já está sendo conivente com a maldade).

A conclusão

Por melhores que sejam os aspectos do cloud gaming e o streaming, uma coisa básica vai morrer: Os jogadores não mais vão possuir seus jogos. E, por conta disso, não mais poderão jogar quando quiserem, mas, quando a empresa de cloud gaming  disponibilizar. Não vai existir mais a posse, mas, somente um vislumbre, um olhar do que poderia ser do jogador, mas, por N razões não é, e, nem será.
E não vão mais possuir os vídeo games consoles, afinal, todo o ato de jogar será abstraído, e, ao jogador vai sobrar apenas as experiências visuais e sonoras, que poderão se degradar, dependendo das condições da rede e dos  data centers.
Mas, por enquanto, podemos nos acalmar e ficar momentaneamente aliviados: O Google Stadia, como está, é apenas vaporware, e, dependendo de como ficarem as infraestruturas, será mais um produto da Google que morreu na praia, como foram os Google glasses, uma tecnologia interessante, que jamais levantou voo.